domingo, 5 de janeiro de 2014

O que era a vida na minha aldeia no Inverno

Embora o Verão estivesse a bater à porta, o frio lá fora insistia em gelar a água.
O vento batendo portas e janelas.
Na aldeia ninguém se importava.
De manhã ainda lusco-fusco, a dona da casa se levantava para acender a fogueira, para preparar o café. Nem sempre era tarefa fácil: primeiro que a chama lenta se acendesse, punha-se a cafeteira ao lume, e quando esta fervia ali se fazia o café, pondo-lhe uma brasa viva dentro da cafeteira para mais depressa a borra assentar.

Pois o tempo urgia, para a horas os homens casa à porta do patrão chegarem. A mulher então continuava a sua lida, tratando dos filhos para irem para a escola, dando a palha ao gado, soltando as galinhas, deitando a vianda aos porcos e só no fim ia tomar o seu café que ficava ao ar do lume numa tigela com broa migada. Depois, tratava dos seus filhos mais pequenos, os vestia e lhes dava o almoço.

No fim de tudo isto, pegava na cesta da roupa ou numa de cesta de esterco à cabeça e lá ia, ou para a ribeira lavar a roupa ou para o campo a tratar da sua lavoura. Muitas das vezes com filhos pequenos, uns ao colo, outros ainda a mal andarem. Lá ia ela levando o rebanho das ovelhas e cabras a pastar. Esta mulher heroína que tantos trabalhos fazia ao mesmo tempo, por volta das onze horas regressava para fazer o jantar, muitas das vezes para o ir levar ao marido ou filhos, onde estivessem a trabalhar.

No regresso jantava ela com os filhos pequenos ainda dormindo, e a tarde continuava como a manhã. Agora no amanho de uma leira de terra, para ir tendo uns legumes para o alimento da família.

O serviço mais pesado da lavoura era feito pelos homens.

Passando a semana, chegava-se o sábado. Fazia-se tudo de novo no trato dos animais e filhos. As tardes de sábado eram para se esfregar a casa e se preparar para mais uma semana. À noite, com os filhos pequenos ao redor e uma grande fogueira, punha água numa grande panela para aquecer e numa bacia de zinco que servia de banheira, toda a criançada tomava banho e iam para a cama pois no Domingo vestiam a sua roupa domingueira e iam para a missa com a mãe.

Passado o Domingo, a semana era igual e assim era o dia-a-dia da mulher da aldeia.

Também tinham as suas distrações, que eram as festas como a da Páscoa, Natal e a Festa da Aldeia.

As lembranças que me invadem, na minha memória adormecida, recordações que fluem nos labirintos da minha mente. Tudo isto na época da minha infância.

Ouso agora rabiscar para o papel, do que jaz em mim. Desses momentos em que assisti na povoação à Festa da Aldeia. Quem não recorda com saudade e nostalgia a sua meninice? E quem não fica embuído com espírito jovial ao relembrar com emoção a linda festa que se fazia? São coisas simples do passado, mas que marcaram a vida de cada um de nós. Evocar essas memórias do passado é incessar o nosso espírito e fortalecer as nossas recordações.

Eram dias de azáfama e folia, em que nos dois ou três dias que antecediam a Festa, as prestimosas gentes da nossa aldeia festiva e fervilhante, conviviam em incansável correria para fazer os preparativos, para se fazer a broa (triga milha), para se assar a carne de cabra (chanfana), fazer o pão de ló (chamado bolo do buraco), o arroz doce e a aletria, etc. Tudo começava a ser feito com alguns dias de antecedência.

Nas vésperas deitavam-se os foguetes, para estourar no ar e anunciar que a festa estava prestes a começar. Rapazes e raparigas iam enfeitar as ruas por onde a procissão ia passar. Era a excitação dos mais novos ir ao encontro e dar as boas-vindas ao senhor Lobo que vinha montar a aparelhagem já no sábado à tarde e já ficava ali umas horas a tocar para assim anunciar às aldeias vizinhas que ali era festa.

Domingo de manhã, às seis horas, havia a alvorada. Pelas oito horas, chegavam o grupo de gaiteiros que iriam percorrer as ruas da aldeia. As crianças que na sua correria e alegria iam apanhar as canas doa foguetes, e as exibiam como seus troféus.
Era o cortejo de gaiteiros com a comitiva, domingueiramente vestida, austentando alguns uma fita na lapela do casaco, anunciando que eram os mordomos e assim percorriam todas as ruas da aldeia, com a sua alegria, encabeçados pela sempre agitada, curiosa e barulhenta criançada.

Todos ansiavam, velhos e novos, por este dia. Raparigas e rapazes ansiosos por vestirem seus fatos novos. E os mais idosos, o melhor que tinham.

Faziam-se os manjares da festa, por volta do meio-dia iam para a capela ouvir a missa seguida de sermão e procissão. Pelas ruas levando as raparigas as tradicionais fogaças que eram compostas por um caçoilo de carne, uma broa, arroz doce, uma garrafa de vinho, um bolo, fruta. Eram os visitantes que compravam estas fogaças para o seu almoço.

Seguia-se o leilão de várias ofertas como batatas, cebolas, galinhas, vinho, azeite, etc.

Terminado o leilão todos iam a correr almoçar, já numa hora avançada pela tarde dentro apressadamente se ia almoçar, porque em breve a folia ia começar e o povo entusiasmado não podia faltar. Era até às tantas da madrugada com os foliões a cantar e dançar na eira ao coradouro do sr. Adriano.

Era um baile lendário, aguardado impacientemente durante o ano. Era no baile que os jovens perdiam a timidez e ganhavam coragem para se declararem às suas pretendidas e dar início ao namoro sempre com foguetes no ar.

Assim terminava o primeiro dia da festa, era ao alvorecer do dia seguinte que começava a ruidosa alvorada, com foguetes a entrondear e a ribombar, que mais parecia pelo ecoar que a aldeia ia desmoronar. Era antes do sol brilhar que o grupo de gaiteiros começava a tocar, percorrendo as enganaladas ruas da aldeia para os moradores ensonados acordar e anunciar que eram horas de levantar, para saudar mais um dia.

Pelas duas horas da tarde já se começava a concentrar a juventude na eira para o baile. Às seis da tarde vinha o sr. Padre para rezar o terço, tudo ia para a capela. Fim do terço tudo vinha em passo apressado jantar para ir novamente para a folia, até altas horas da manhã.

Terminada a folia, ainda a mocidade ia de casa em casa até ser dia. Havia rifas de rebuçados e barracas de café e venda de bebidas do sr. Marquês de Albeite Grande.

Assim eram as festas da minha aldeia, como o seu quotidiano ao longo do ano.
Isto faz recordar o que é a Saudade que invade o coração e faz deslizar no rosto as lágrimas impregnadas de emoções de quem ama de verdade a sua aldeia.

Saudade, das saudades, dos anos 50/60 da aldeia de Sabouga!

Sem comentários:

Enviar um comentário